Campo Grande (MS) – Isnard Manso, dançarino, coreógrafo e empresário que há 21 anos atua na cena cultural carioca, ministrou na tarde deste sábado (23), na Sala Conceição Ferreira do Centro Cultural José Octávio Guizzo, a Oficina de Samba, como parte da programação da Semana Pra Dança 2015.
Em 2001, criou o Centro Cultural Carioca, e sua atuação inclui coreografia para shows e documentários de importantes nomes da música brasileira, como Diogo Nogueira, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Beth Carvalho.
A oficina buscou sensibilizar para a importância social da dança e preservação dos principais aspectos culturais da dança carioca. Os estilos abordados foram: samba de gafieira, samba no pé e samba dança.
Ao início das atividades, o ministrante informou que as pessoas poderiam realizar os movimentos descalças ou com tênis. “Salto não, porque não é dança de salão. É uma oficina de dança que usa o samba como instrumento”.
Ele explicou que o samba é um dos traços culturais mais característicos do povo do Rio de Janeiro e do Brasil. “Com a abolição da escravatura, muitos baianos vieram para o Rio de Janeiro. O samba começou nas casas das ‘tias’, em que eram realizadas as reuniões para música e dança. Em qualquer lugar do mundo o Brasil é conhecido como o país do samba e do futebol.
O dançarino falou um pouco sobre as origens do samba. “Em 1914 já existia registro musical de samba, mas oficialmente, o primeiro samba gravado foi ‘Pelo telefone’, em 1917. Nos anos 30, o samba começa a se diferenciar do maxixe, que foi a primeira dança de salão urbana do país. Em 1960, em Copacabana, com a Bossa Nova, foram introduzidos os acordes dissonantes vindos do jazz, foi nessa época que o samba passou a ser conhecido fora do país. Nos anos 1980, com o pagode, foram introduzidos o banjo, o tantã, o pandeiro de náilon. É um gênero musical e coreográfico que reúne muitas vertentes. É um tipo de dança que pressupõe uma música obedecendo a uma métrica musical. ”.
Logo depois, os participantes foram instruídos a andar pelo espaço. “Percebam quem passa do seu lado, sintam o vento batendo no corpo, algum perfume que chama a atenção, o lugar da sala que tem sol, o lugar que não tem. Procurem manter a sala muito ocupada. Vamos zelar pela trajetória, não esbarrem em ninguém, olhem no olho de quem passa. Nesse cruzamento de olhar, escolha um par. Pode ser moço com moça, moço com moço, moça com moça”.
Depois, um integrante da dupla fechou o olho e o outro deu batidinhas no corpo da pessoa. “Imaginem a mão cheia de tinta espalhando no outro, a pessoa toda pintada pelas palmadinhas que você está dando”. A pessoa de olho fechado foi levada para um lugar na sala. Os dois sentam, o outro abre o olho. Com os pés juntos, um empurra o pé do outro, um pé de cada vez, de mãos dadas. Depois fizeram massagens nos pés.
As duplas foram instruídas a fazer um novo movimento como num espelho, um igual ao outro, um na frente do outro, olhando nos olhos do companheiro. Já em pé, de mãos dadas, um dos colegas se espreguiçou usando o outro como contrapeso. “Dançar bem não é só executar os passinhos com excelência, é escutar. Pensem menos na performance e mais na escuta”.
Ele pergunta: “O samba é um ritmo binário, ternário, quaternário ou composto? A música no tempo dos nossos avós era ao vivo ou pelo gramofone, para os endinheirados. Não era tão acessível como é hoje. Aí as pessoas, para passar o tempo, começaram a dançar ouvindo a música”.
Depois de explicar as características de cada ritmo, com exemplos, ele explica que o samba é binário. “No samba, o instrumento surdo começa abrindo no segundo tempo. O samba contraria a teoria musical, que diz que o tempo forte tem que ser o primeiro; no surdo o forte é o segundo tempo”. Foi transmitido um movimento do samba, sem música, depois com música. Foram formadas novas duplas para um outro passo de dança.
Um desafio foi lançado: repetir o mesmo passo só que agora começando com a perna esquerda, “em homenagem aos canhotos do grupo”. Após cinco minutos de treinamento, foi realizado o passo com música.
Cada dupla desenvolveu, com a saída de uma dupla por vez na sala, o mesmo passo, um começando com a perna esquerda e o outro com a direita. “A gravidade atua em tudo em nós, mas não vamos deixar que ela atue em nosso olhar”. O exercício foi realizado um olhando para o outro.
“Vocês estão cansados?”. A turma respondeu que não. Foi realizado um alongamento com o grupo. “Antes de ser dançarino eu sou um artista que escolheu a dança como manifestação artística. Para mim, a dança não é só execução de movimentos, a coreografia está a favor da cena”.
Antes de iniciar a segunda parte da oficina, ele leu um texto de Rubem Alves em forma de carta, direcionado a Isabela, que está disponibilizado ao fim desta matéria. “As duas profissões mais importantes são a do professor e a do artista. O educador educa e o artista dá uma forma diferente de a gente ver a vida. O artista dá dimensão diferente à realidade”.
Foi desenvolvido um movimento mais complexo. Os participantes realizaram o movimento olhando para o alto, utilizando a visão periférica. Depois, de três em três, executando o movimento com a visão para frente e para cima, nunca para baixo, utilizando a visão periférica.
A seguir, sem música, em duplas, um fechou o olho e o outro orientou com as mãos o movimento daquele que estava com o olho fechado. Quem estava de olho aberto procurou outro parceiro, sob a orientação de Isnard. Aquele que estava de olho fechado não viu que foi trocado o parceiro. “Quando a pessoa que estiver de olho fechado tiver o palpite do que vai ver quando abrir os olhos, em que lugar vai estar, se vai ver o espelho, a parede, pode abrir”. Risos na sala. “Quem percebeu a troca [de parceiro]?”
Foram feitos grupos de sete pessoas com pesos parecidos, um no meio e os outros seis em roda fazendo carinho no do meio, de cima para baixo, até os pés. Depois, tapinhas mais fortes, pressão na pessoa até ela ficar com bastante calor, depois a pessoa do meio foi levantada bem alto. O exercício foi feito com todos do grupo ficando no meio, cada um por vez.
A oficina foi encerrada com os participantes fazendo roda, colocando Isnard no meio. Foram feitos todos os exercícios, sendo ele levantado bem alto pelo grupo.
Flávia Laís Alarcon, professora de balé, jazz e dança de salão, integrante da Cia. Cinese, sentiu-se motivada a participar da oficina porque gosta de pesquisar e estudar danças brasileiras e folclóricas. “Conheço o trabalho do Isnard, ele traz uma abordagem mais contemporânea, não fica preso à questão dos passos. Gosto de conhecer o jeito de dar aula de outras pessoas; observar e importante”.
Isnard Manso disse que as pessoas estavam muito interessadas, receptivas. “Foi muito gratificante para mim. Quem dera todo lugar que a gente fosse tivesse essa acolhida.” A Cia. de Dança do Centro Cultural Carioca, que ele dirige, vai se apresentar no domingo (24), às 20 horas, no teatro Aracy Balabanian, do Centro Cultural José Octávio Guizzo, com entrada franca.
A Semana Pra Dança 2015 continua neste sábado (23), logo mais, às 20 horas, no teatro Aracy Balabanian, com o espetáculo “Tem Trem?”, do Funk-se. A entrada é franca. Mais informações no Núcleo de Dança da FCMS pelo telefone (67) 3316-9169.
Abaixo, o texto de Rubem Alves que foi lido durante a oficina:
Querida Isabela,
Peço desculpas pela demora dessa resposta. Já li seu e-mail há um bom tempo, mas confesso que o deixei um pouco de lado. Não por desinteresse, mas por sentir que ainda não estava na hora de te responder. As palavras, como as comidas, também precisam de digestão. Se a gente tenta apressar esse processo, acaba indo parar no banheiro, passando mal. E, claro, eu não queria que isso acontecesse com nós dois. Agora, porém, tudo o que você me disse está bem mastigadinho e sinto que já posso te responder alguma coisa.
Primeiro: você é tão jovem! A gente só volta a entender alguma coisa da vida com o passar do tempo, com a velhice. Eu, que já estou velho, digo isso com certa segurança. Tenha calma, minha querida. Essa liberdade que você deseja reencontrar está logo ali, na próxima esquina. Mas é preciso tentar caminhar sem pressa, pra não tropeçar tanto.
Como costumo dizer, quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Há certas coisas que não podem ser ajudadas, pois devem acontecer de dentro pra fora. É o seu caso. Você espera de mim alguma ajuda para as angústias da sua alma. Mas eu, daqui, não tenho como te tirar do casulo. Nem quero. Esperemos pacientemente pela bela borboleta que você será.
Segundo: não se apavore com o que já passou. Eu sei que seus 23 anos (ainda são 23? Demorei tanto a responder, que talvez você já esteja um pouquinho mais velha) te parecem “milênios”, como você mesma diz. Mas eu te garanto: ainda é só o início. Você terá tempo para descobrir todas essas respostas. Ter tantas perguntas já é um bom começo. Pense nisso.
Enquanto te escrevo, ouço a ária, cantilena, das Bachianas brasileiras n° 5. Não sei se você já a escutou, Isabela. É absolutamente linda e absolutamente inútil. Não há nada que possamos fazer com ela. Mas, ao mesmo tempo, a voz de soprano que canta sem dizer uma única palavra, me alegra e me faz querer chorar. Como algo inútil pode ter tanto efeito sobre mim, sobre nós?
Acho que é aqui que termino esse e-mail, pedindo que você não tenha pressa em crescer, em tornar-se o que quer que seja, mas sim em voltar à infância. As crianças já nascem sabendo. O brinquedo e a arte são as únicas atividades permitidas no paraíso.
Dedique-se àquilo que é inútil. Dedique-se ao prazer. Não é preciso ordenar que as crianças brinquem, que o amante abrace ou que o poeta escreva. O desejo torna o comando desnecessário. William Blake sabiamente já dizia: o prazer engravida e o sofrimento faz nascer. Aceite essas duas etapas com devoção. Ambas são lindas e extremamente essenciais à vida.
Do seu amigo,
Rubem