Campo Grande (MS) – A noite de abertura da Mostra Boca de Cena 2023, Semana de Teatro e Circo de Mato Grosso do Sul, nesta segunda-feira, 27 de março, no Teatro Dom Bosco, foi de homenagens, recordações e muito teatro. Foram entregues placas comemorativas aos homenageados desta edição, Paulo Sanches e Américo Calheiros, e encenada a peça Hamlet Cancelado!, com Vinícius Piedade, de São Paulo.
O representante do Colegial Setorial de Teatro de Mato Grosso do Sul, Fernando Cruz, abriu a noite relembrando um pouco sobre a história do teatro em Mato Grosso do Sul. “O teatro está aí há mais de seis mil anos, e para nós, do teatro sul-mato-grossense, é um prazer estarmos aqui reunidos, reencontrarmos os colegas e relembrarmos também um pouco do Boca de Cena, que nasceu em 2001 a partir dos debates do movimento de teatro, dos trabalhadores e trabalhadoras do teatro aqui do Estado. E a partir do Boca de Cena, nós passamos a nos organizar e ter um festival que representava a produção do teatro sul-mato-grossense naquele momento da virada do século. Ele surgiu com a proposta de reunir os trabalhadores do teatro para debater teatro, suas narrativas, suas experiências estéticas e a organização nossa enquanto trabalhadores, políticas públicas para o teatro”.
“E o teatro se fortaleceu percorrendo esse interior todo de Mato Grosso do Sul num processo de formação de atores, de atrizes, junto com o circo sempre, que são duas linguagens que sempre andaram juntas. Hoje estamos aqui lembrando que o teatro, mesmo virtualmente, salvou as nossas vidas durante a pandemia, porque o povo brasileiro viveu na rede vendo teatro e ouvindo música: a arte como salvação, a arte como cura”.
A representante dos artistas de circo de Mato Grosso do Sul, Társila Bonelli, sentiu-se agraciada pela oportunidade de falar em nome dos colegas: “Fico imensamente lisonjeada, honrada por estar aqui representando pessoas que nos foram e são referência, artistas que estão há anos lutando, como o Fernando Cruz, outros artistas como Breno Moroni e outros que a gente conhece, e fico extremamente feliz por poder estar aqui falando com vocês. No interior do Estado também estamos na luta com a Capital, junto com vocês nesta força, nesta resistência. E muito mais feliz por este Boca de Cena, esse Festival que está com uma programação linda e maravilhosa. Que ele seja apenas mais uma das ações desse governo atual, em que nós estamos acreditando. A programação do Boca de Cena este ano está fantástica! Aproveitem”!
O gerente da Difusão Cultural da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Marcio Veiga, falou sobre o processo de organização do evento. “É um prazer ter vocês aqui neste momento de retomada, de renovação. A programação foi preparada com muito carinho, com muita vontade. Quando nós tivemos nossa primeira conversa nós falamos assim: a gente não sabe como, mas nós vamos fazer. E nós tivemos a colaboração de todos. Este Boca de Cena não aconteceria se não tivesse o investimento do Governo do Estado, se não tivesse a parceria dos colegiados setoriais, a vontade dos artistas e todo o empenho que as pessoas têm dado para a produção desse evento. Isso nos engrandece e isso reforça a nossa vontade de querer fazer mais, de querer oferecer para o público uma programação realmente extensa, com uma diversidade muito grande. Esse Boca de Cena é a integralidade da nossa produção de teatro e circo em Mato Grosso do Sul. Nós temos todas as linguagens, temos várias cidades sendo representadas, gestores e cultura e pessoas que vieram para participar dessa discussão. Vida longa ao Boca de Cena”!
O diretor-presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Max Freitas, acenou a possibilidade de o Boca de Cena acontecer também no interior do Estado. “Eu gostaria de agradecer aos nossos dois homenageados: ao professor Américo Calheiros, ao professor Paulo Sanches, ao teatro, ao circo. Agradecer ao nosso governador Eduardo Riedel, que nos propicia, ainda de uma forma modesta, estar retomando, através da gestão pública, o Boca de Cena. O próprio colegiado setorial, os próprios artistas não deixaram morrer este Festival. O que nós queremos aqui é, simplesmente, em nome do nosso secretário Marcelo Miranda, da nossa secretária adjunta Viviane Luiza, falar para vocês que estamos juntos. Acreditamos, como o professor Américo – eu gostaria de agradecer a ele pelos bons ensinamentos que tivemos juntos, e aqui fica meu eterno agradecimento por ter trabalhado na gestão junto com ele – que o teatro, na sua circulação, na sua formação, na sua ansiedade de transformar vidas, como transformou a de várias pessoas, como transformou a minha, de levar um legado, uma história, momentos, mas acima de tudo, de levar sentimento que nunca ninguém vai deixar apagar, que nunca ninguém vai deixar morrer. O Boca de Cena retorna de uma forma ainda modesta, mas tenho a certeza que, construindo com vocês, com o setorial, com cada artista, cada profissional da arte e da cultura, será privilégio percorrer 79 municípios. Porque o Boca de Cena não pode ser feito só para Campo Grande. O Boca de Cena tem que ser feito para onde tiver um habitante sul-mato-grossense, porque a arte é feita para todos”.
Primeiro homenageado da noite, Paulo Sanches iniciou sua carreira artística há mais de 60 anos. Integrando circos mambembes em que atuava como palhaço, ator e trapezista. Criou em Três Lagoas o grupo de teatro Esperança em Jesus, ligado à igreja a que pertencia, e que se transformou no grupo Comitê Revolucionário do Artista Jovem. Dirigiu peças que seguem a linha cômica e popular, que apresentou em mostras e festivais do Estado. Além de diretor, Paulo Sanches já fez intervenções em hospitais e escolas com grupos de palhaços e dirigindo também o Grupo Municipal de Circo e Teatro Liberdade, de Três Lagoas.
“Uma vez na vida a gente tem o agradecimento, o reconhecimento das pessoas. Aqui em Mato Grosso do Sul, desde a década de 1980, eu faço teatro em Três Lagoas. E sempre bem quisto, sempre bem recebido por todos, por colegas, diretores, presidentes das associações. Hoje eu me sinto meio velho, meio louco, na missão de triunfar. Eu faço teatro desde 1960, em Três Lagoas, e formei muitos atores circenses. Agradeço pela homenagem e a divido com minha esposa, que me ajuda muito em tudo: figurino, texto. Com 80 anos é difícil a gente dizer que fica emocionado, mas fiquei sim, muito emocionado. Já recebi diversos prêmios em lugares em que estive, em São Paulo, em Santos, em Bauru, Três Lagoas, mas esse aqui me deixou emocionado. Muito obrigado”!
O professor, diretor, ator, escritor, poeta e reconhecido pelo empenho na gestão pública cultural do Estado, Américo Calheiros, foi o segundo homenageado da edição 2023 da Mostra Boca de Cena. Transitou da sala de aula para os palcos e, em seguida, para a gestão pública da cultura e das artes. É formado em Letras pela FUCMT, com pós-graduação em Gerência de Cidades pela FAAP. Sua formação teatral vem da Escola de Teatro Martins Pena, no Rio de Janeiro. Incentivou a formação de um dos grupos de teatro mais importantes do Estado, o Grupo Teatral Amador Campo-Grandense Gutac, acompanhado por Cristina Mato Grosso. E logo depois criou o Grupo Infantil Campo-Grandense Gutic, buscando o aprimoramento do teatro vinculado à educação. Escreveu e produziu mais de 80 espetáculos teatrais, introduzindo o teatro em escolas e comunidades e incentivando um grande número de artistas. Foi presidente da Fundação de Cultura e Esportes de Campo Grande, da Fundac, e diretor-presidente da FCMS. Atualmente é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
“A arte de fazer teatro te pega e não te larga nunca mais. Foi assim comigo. Eu cheguei nessa caminhada que fiz deste os anos 1970 até os dias de hoje graças, exclusivamente, ao desafio que o teatro implantou em minha vida. Eu comecei a fazer teatro aqui nesse espaço, era um anfiteatro do Colégio Dom Bosco, e a gente saía da faculdade e vinha ensaiar. De lá para cá percorremos um trecho grande dentro do teatro e que foi também me interligando com todas as formas de arte. Porque o teatro tem essa força tão grande de estabelecer pontes e de ampliar a tua visão para além do seu eu e dar valor à democracia que existe no tratado com as demais pessoas. O teatro não é uma arte isolada, nunca foi e nunca será. Com toda a sua força sacra e profana, ele nos ensina a ir além do nosso próprio nariz e ver o mundo com todas as suas belezas e mazelas”.
“Todos esses espetáculos em que trabalhei, que ajudei a montar, e todo o caminho que trilhei, eu tive a oportunidade de me enriquecer como ser humano e me enriquecer como ser político dentro da estrutura da cultura e da arte. Porque se nós não tivermos o exercício político, o teatro vai morrer. É através dessa força que o teatro tem, unida com o nosso exercício político, com a nossa união, com nosso trabalho em conjunto ao trabalho que é feito com todos, que a gente consegue sobreviver. O teatro tem a força da transformação. E essa é a força política do teatro, e é dela que não podemos nos afastar nunca. Parabéns a todos neste Dia Internacional do Teatro, à Fundação de Cultura, pelo trabalho que está realizando neste momento neste Boca de Cena, esperamos que seja um trabalho que venha e traga em seu bojo o reconhecimento do teatro sul-mato-grossense”.
Foto: Maritê do Céu
Ao final das homenagens, foi apresentada a peça Hamlet Cancelado!, com Vinicius Piedade, de São Paulo. A peça é um solo inspirado livremente no texto de Shakespeare. Vinícius Piedade é dos artistas de teatro brasileiros que mais se apresenta pelo mundo com seus espetáculos, tendo se apresentado em mais de dezoito países de cinco continentes.
A Mostra Boca de Cena 2023 – Semana de Teatro e Circo de Mato Grosso do Sul continua ao longo desta semana, é aberto ao público e com entrada franca! Confira a programação completa em: www.fundacaodecultura.ms.gov.br/bocadecena
Texto: Karina Lima
Fotos: Ricardo Gomes