Publicado em 25 jul 2025 • por Karina Medeiros de Lima •
Nesta sexta-feira, dia 25 de julho, é comemorado o Dia Nacional do Escritor. A data surgiu por meio de uma portaria, assinada em 21 de julho de 1960, do então ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido. A escolha do dia 25 de julho para a comemoração do Dia Nacional do Escritor ocorreu porque, naquele ano, nessa data, seria realizado o I Festival do Escritor Brasileiro, no Rio de Janeiro, promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE), cujo vice-presidente era o escritor Jorge Amado.
A Fundação de Cultura conversou com quatro escritores sul-mato-grossenses, Antoni Magallhães, Tânia Souza, Adrianna Alberti e Jander Gomez, que falaram sobre suas produções e sobre a arte da escrita.
O jornalista, escritor e roteirista Antoni Magalhães nasceu na periferia de Dourados, Mato Grosso do Sul, e é mestre em linguística e transculturalidade e pós-graduado em escrita criativa. É apaixonado pelo estudo de narrativas, mídias e cultura e criador da oficina de roteiro e escrita criativa “Colere”. Representatividade é um ponto chave de suas narrativas e Antoni tenta transportar um pouco de sua cultura interiorana para as páginas dos livros, além de suas vivências como homem negro, LGBTQIA+ e PCD. Gay e autista, a literatura foi a primeira válvula de escape encontrada para que ele conseguisse desabafar sobre as coisas que sentia.
Para Antoni, escrever é transformar o cotidiano em prosa, em poesia. “É brincar com as palavras e seus significados. Como escritor sul-mato-grossense acho que sempre dá pra colocar mais tempero na escrita usando toda nossa riqueza cultural. Adoro falar sobre nossa terra vermelha, nossa fauna e flora, sobre nosso tereré. Acho sempre maravilhoso quando escrevo sobre tereré em um livro e algum leitor de fora demonstra interesse em saber mais ou tem vontade de experimentar. O maior desafio é pela valorização dos autores independentes e para mostrar que aqui no estado produzimos todo tipo de arte. Aqui temos escritores que produzem com qualidade todos os gêneros de literatura e cada um deles merece ser valorizado”.
Sobre seus projetos futuros, em agosto Antoni vai publicar uma nova edição do seu livro de ficção científica “Anacrônico” que ganhou o Leia MS em 2020 e para os próximos meses espera publicar um novo romance LGBTQIA+. “Todos os meus livros são ambientados no estado e além de trazer muita representação da nossa riqueza cultural, os meus leitores podem sempre esperar muita representatividade com personagens diversos e bem construídos”.
Tânia Souza é natural de Bela Vista – MS e reside em Campo Grande – MS. Escreve poesia, contos insólitos, haicais e literatura de infância, entre outros gêneros e temáticas. Participa dos coletivos Mulherio das Letras, Coletivo Literário Tarja Preta e do Clube de Leitura Vórtice Literário. Além de antologias diversas e revistas digitais, publicou: Poesia: De(s)amores e outras ternurinhas (2016); Entre as Rendas dos ossos e outros sonhos desabitados (2020); Sudário (2024). Microficções e outras fantasmagorias poéticas (2022) um livro que transita entre prosa e poesia. Contos: Estranhas Delicadezas (2017); Perverso Natal e-book( 2019), Fabulário de Estrelas (2023); e Eles Vieram com o Amanhecer (2024). Literatura para infância: Um Gato no jardim (2018) Bichinhos da Horta (2018); Era uma vez -e-book ( 2021). Sua novela A Encantada (2023) foi vencedora do prêmio Ipê de Literatura. Tânia Souza também produziu o curta de animação “A bruxinha” com roteiro inspirado no texto Era uma vez.
Para ela, ser escritora em MS é “escrever com amorosidade, mas também com susto, com indignação frente a realidades como o feminicídio, a violência contra os povos originários”. “Acredito que a literatura é arte universal, nossa escrita transcreve o mundo, mas o espaço onde vivemos, nossa história e o próprio cotidiano influencia fortemente o nosso olhar. Escrever em Mato Grosso do Sul também é teimosia, alegria: pensamos, escrevemos, inventamos em uma cena literária que está em expansão, vozes se reconhecendo e reivindicando seus espaços”.
A escritora afirma que seu maior desafio na escrita se m relação ao tempo. “É dar ao texto o tempo que ele precisa enquanto as horas, a urgência, parecem me consumir. É encontrar tempo para escrever nos intervalos do dia, sendo que a literatura não é meu único ofício. E apesar de tudo, amar tanto a palavra que nela me nutro, me questiono, me sustento”.
Atualmente está trabalhando seu livro-carta “Eles Vieram com o amanhecer”, um texto de terror que aborda a guerra da Tríplice Aliança em um cenário insólito. “Esse ano estou participando do Arte da Palavra, promovido pelo Sesc para levar a literatura sul-mato-grossense para algumas cidades do Brasil e está sendo maravilhoso. Estou escrevendo um livro de contos e os leitores podem aguardar que o terror será o tema principal dessas histórias”.
Adrianna Alberti é escritora, pesquisadora e professora. Bacharel em Psicologia (UFMS) e Letras (UEMS), mestra em Letras (UEMS) e doutoranda em Estudos de Linguagens (UFMS). Coorganizadora do projeto “Expressões do Fantástico”, com Carolina Mancini. Membro da UBE-MS e dos coletivos literários Mulherio das Letras e Tarja Preta. Autora dos livros “As Cores na Ponta da Língua”, “Outros Silêncios em Vigília”, “O Silêncio na Ponta dos Dedos”, “O Coração no Couro do Tambor”, organizadora, junto de Sarah Muricy, de “Okan – Antologia de Axé”. Pesquisadora de escrita de autoria feminina e literatura fantástica, tem publicado livro oriundo da dissertação de mestrado “Em Busca da Rainha do Ignoto: A Mulher e a Transgressão no Fantástico”.
A escritora nasceu em São Paulo, mas mora em Mato Grosso do Sul desde os 15 anos. Então para ela, a perspectiva sobre ser um escritor sul-mato-grossense passa por uma questão de identificação com estado e com a cidade de Campo Grande. “Eu moro aqui desde os 15, 16 anos e me perceber como escritor daqui passou por um processo de me identificar como uma pessoa adotada, mas ainda assim daqui. Porque foi um processo gradual perceber que estar aqui e ser daqui diz mais sobre mim do que ter nascido em São Paulo. A minha formação acadêmica e também literária foi no estado e foi com escritores do estado. Ser uma escritora daqui diz respeito a essa identidade de estar vivendo em Mato Grosso do Sul, de ter crescido acadêmica e literária aqui, literariamente aqui”.
Adrianna acha que o maior desafio da escrita é a publicação. “Sendo uma escritora independente, autopublicada e na maioria das vezes aproveitando oportunidades de editares que as editoras, que também são independentes, abrem, acho que o maior desafio da escrita é a publicação. Em relação ao processo de escrita mesmo, o maior desafio está nesse suor. Depois da inspiração. Então, escrever, olhar de novo o texto, corrigir, pedir pra alguém ler, pedir pra alguém falar ‘olha, como você acha que tá? Acha que faz sentido?’ Como escritora eu sempre tenho um outro amigo que eu mando e peço a opinião. E aí vem os detalhezinhos, né? ‘Olha, dá uma olhada nisso aqui, corrige isso aqui. Você quis dizer isso aqui mesmo?’”
O escritor Jander Gomez é autor dos romances RE+começar (2015), Ponto Cego (2017) e Uma colcha de retalhos, ela disse (2024). Publicou também os livros de poesia Distante (2015) e O bicho que me falta (2021), e El bicho que me falta Argentina/2025). Vencedor do Prêmio MS Cultura Cidadã (2019) e autor selecionado pelo edital da Lei Paulo Gustavo (2024) com o romance Amadores. Foi palestrante do Programa Leitura MS (2020-2022); vencedor do Edital LEIA MS (2025) com o livro O bicho que me falta.
Para Jander, ser escritor sul-mato-grossense é carregar no peito a memória das palavras. “É escrever de um lugar que muitas vezes não é visto, a partir de um lugar, na verdade, que muitas vezes não é visto. É um lugar de silêncio, de fronteira dessas… de estrada de chão, muitas vezes de vozes abafadas. Mas é também um lugar, assim, de potência, de reinvenção, onde cada texto que nasce carrega não só uma experiência vivida, talvez por mim ou por outros escritores, mas também algo que a gente se preza por querer que vivamos e por almejar essa invencionista, à la Manoel de Barros. Eu escrevo porque eu preciso, porque isso também de alguma forma me organiza, me devolve a mim mesmo e me mostra que a palavra só existe porque eu auto ficcionalizo a minha existência”.
Jander afirma que um dos maiores desafios de escrever a partir de Mato Grosso do Sul, não é só a solidão da escrita em si, mas saber que se escreve a partir da margem. “Porque quando nós falamos de literatura, de artes em si, em algumas áreas, algumas partes das artes, elas vivem à margem em Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul é um estado à margem, aqui a gente tem pouco acesso às grandes editoras, a eventos literários de grande arte, quando vem algum artista, escritor muito pouco celebrado. Pesado pela comunidade local, né, e a gente tem uma série de percalços que nos torna margem. E muitas vezes a gente escreve a partir desse campo aberto, na esperança de que alguém escute do outro lado, de que alguém olhe e fale assim, não, ali tem uma ferida aberta, a gente não precisa mexer nessa ferida aberta, porque eles já estão mexendo nessa ferida aberta, a gente tem que ajudar a cicatrizá-la. Então eu não escrevo do confronto e nem do conforto, eu escrevo a partir daquilo que me atravessa, do que me falta e do que me dói. E essa é a grande marca dos escritores sul-mato-grossenses, porque isso exige coragem, né, tem que estar disposto a sangrar no papel de alguma forma. Mas é isso, eu escrevo porque não escrever seria o mesmo que deixar de respirar e a gente ficcionaliza as nossas margens”.
Sobre projetos futuros, Jander diz que em 2025, agora na Argentina, vai lançar El Bicho Que Me Falta na feira internacional do livro de Commodore Rivadavia. “E em outubro eu lanço Amadores, que também saiu pela Fundação de Cultura, num edital da Paulo Gustavo, e está em processo já de finalização e será lançado em 2025. Para 2026 eu ainda não tenho nenhum planejamento, eu espero terminar o mestrado, mas vai que no meio do processo essa outra história que eu tenho em mente ela brote”.
E para os amantes da literatura regional, a Biblioteca Pública Estadual Dr. Isaias Paim possui um espaço especialmente dedicado a obras de autores sul-mato-grossenses. É um vasto acervo que está aberto à visitação de segunda a sexta, das 7h30 às 17h30, e aos sábados, das 7h30 às 17h30. Vale a pena conferir! A Biblioteca Isaias Paim fica no andar térreo do Memorial da Cultura e da Cidadania, na Avenida Fernando Corrêa da Costa,, 559, Centro.
Texto: Karina Lima
Fotos: Acervo pessoal dos escritores