Publicado em 20 set 2025 • por Karina Medeiros de Lima •
O quarto dia da Feira Literária de Bonito, sábado (20) trouxe na Praça da Liberdade o Circuito Literário às 14 horas, que foi a roda conversa “Enegrecendo a História: literatura negra, desafios e avanços a partir de referências literárias”, com os escritores Paty Wolf, Maria Carol, Sarah Muricy, Rafael Belo, Rossini Benício Rodrigues e Ilza Ferrari.
A escritora Paty Wolff começou falando sobre suas origens e a influência em suas escrita: “Dentro mesmo da busca por quem eu sou, dentro de uma família interracial, o Wolf alemão da minha mãe, e a família preta da Bahia que vem do meu pai, e que meu pai nasceu em Fátima do Sul, aqui em Mato Grosso do Sul, então meu pai é daqui, e que vão me ter lá em Rondônia, meu pai e minha mãe se encontram em Rondônia, então eu sou de Rondônia, na qual eu sou rondoniense, nasci na floresta, e hoje moro no Cerrado de Cuiabá, e tudo isso me atravessa, atravessa as vivências que eu vi, meu pai na infância, os episódios de racismo, as dores, acho que atravessa muito vendo muitos episódios de racismo, e essa descoberta de ser negra, que foi no Paraná, quando a gente morou no Paraná. Porque era um tabu, era dentro de uma família muito religiosa também, mas no sentido protestante e que tudo era um tabu, até a negritude como um tabu, porque reflete também a questão de uma negritude, e aí vem a estrutura do que é ser negro no nosso país, de que negro e aí o resgate dessa palavra importância, é que não é uma coisa boa né, ser negro, porque é tido como o cabelo ruim, então é uma coisa assim que às vezes não gera o orgulho que a gente tanto tem provocado agora, o orgulho do black, o orgulho do cabelo crespo, enfim, e tudo isso eu fui vendo, a arte me trouxe”.
A escritora, psicóloga e pesquisadora Maria Carol disse que a sua escrita é completamente marcada pela sua experiência enquanto uma mulher negra. “Eu digo que realmente a minha escrita é a escrevivência a partir do momento que eu li outras mulheres iguais a mim, entendi que eu era uma possibilidade para literatura, para vida eu comecei a me apropriar da minha história, da minha ancestralidade e me empoderei para trazer isso para as minhas palavras também. Então, ‘Cartas aos Afetos’, ele nasce com uma necessidade mesmo eu comecei a escrever isso na pandemia. Em 2021, todo aquele caos, eu estava, né, assim como mais de nós estávamos em casa e aí a escrita surgiu com uma necessidade mesmo. Eu escrevia dentro de criança, mas teve um tempo que eu me interrompi e aí na pandemia eram tantos afetos, eram tantos medos que a escrita, ela veio como esse mecanismo de me dar força para continuar respirando”.
A escritora Sarah Muricy, nascida em Barreiras, no oeste da Bahia, mas campo-grandense por adoção, está há 18 anos em Campo Grande, falou que uma de suas principais referências na escrita foi a sua avó. “Falar sobre as minhas referências em matéria de letramento racial começam com uma mulher que não terminou a quarta série e que era apaixonada pela oração de São Francisco, mas que também era do Candomblé, mas que também amava o divino Espírito Santo, o nome dela era Dilsa Pereira Alves e hoje eu tenho mais anos com a ausência física dela do que com a presença, mas minha avó foi a primeira mulher que eu conheci que era bonita e que se gostava no meio de todos os dias em que eu não me gostava e que eu não. Era leitura obrigatória na oitava série, na minha escola municipal, eu finalmente conhecia alguém que falava o que a minha avó sentia, alguém que vinha do pouco mas que repartia, alguém que vivia com pouco mas que também se vingava, que também tinha raiva e que legitimava a raiva que sentia e que falava vou te botar no meu livro, você vai ver só, né?”
O escritor e jornalista Rafael Belo afirmou que escreve desde criança. “As minhas referências foram mais musicais pporque eu nãõ tinha acesso a livros de pessoas negras, quando eu era criança. A literatura sempre foi o meu escudo e a minha espada, e a música também, eu ouvia muto em casa o que meus pais ouviam, muito samba, Cartola, Milton Nascimento, e isso veio comigo. Eu li muito Monteiro Lobato e me incomodava a forma como ele colocava a pessoa negra ano livro e eu decidi que eu ia escrever diferente”.
O escritor Rossini Benício Rodrigues disse que é muito difícil falar da questão negra, porque a agressão é diária, então é muito complicado você articular um pensamento durante tantos anos de repressão. “Então, ontem fiquei a noite analisando, a questão da ditadura, eu passei por aqui, passei por aqui, fui preso, fui agredido, principalmente por ser negro. Quando eu entro na faculdade, final dos anos 80, começo dos anos 80, eu passei por tudo aquilo ali. Hoje cedo, escutando o depoimento, nos nossos depoimentos, eu me vi naquilo ali. A grande salvação está na educação. Então você era acolhido, você era recebido com carinho por pessoas que tinham uma visão um pouco mais ampla. Eu sou da periferia de Campo Grande, eu sou do Lar do Trabalhador. Todo mundo sabe como funciona as periferias brasileiras. A Palestina é a periferia do mundo e todo mundo sabe como se trata a periferia. Então quando a gente tem a oportunidade de ver um encontro como esse, escutar intelectuais, debater com intelectuais e entender essas relações, para todo mundo é muito agressivo, para quem é negro, para quem é escritor, para quem é intelectual, que você tem que revisitar a sua vida”.
A escritora Ilza Ferrari falou sobre o seu livro, “Psicanálise e feminismo negro”. “O meu livro é uma pesquisa de mestrado em que todas as histórias me tocavam. A gente começa a escutar algumas vozes de mulheres negras e indígenas e a partir disso me toca muito aquelas histórias, estávamos ainda na pandemia, e começo a falar pro meu orientador algumas histórias minhas e ele pede para eu contar para ele. Aí eu conto a história de uma menina branca, nordestina, retirante, numa situação de muita violência e pobreza, e que morou na casa dos outros. A diferença não é o problema, o problema é quando a diferença causa desigualdade”.
Texto e foto: Karina Lima