Publicado em 06 out 2025 • por Karina Medeiros de Lima •
Depois de uma vida dividida entre o Direito e a arte, a artista visual transforma as marcas da Covid em inspiração na exposição Passeio da Alma que segue aberta até 31 de outubro
Há histórias que a vida insiste em escrever com pinceladas de luz mesmo depois de longos períodos de sombra. A trajetória da artista visual Amanda Monteiro é uma dessas narrativas que se confundem com a própria essência da criação artística: resistência, fé, resiliência e beleza. Sua exposição “Passeio da Alma”, aberta ao público desde 23 de setembro no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Campo Grande, é mais do que uma mostra de telas — é um convite para que cada visitante percorra um passeio da alma, expressão usada pela própria artista para definir a experiência.
Formada em Artes Visuais no início da década de 1980, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e com pós-graduação em cerâmica na Espanha, Amanda nunca se afastou de fato das artes. “Eu nunca deixei de fazer arte, então é um retorno à minha vocação inicial. Agora, aposentada do Direito, posso exercer meu trabalho com as artes plásticas quase que exclusivamente”, afirma.
Essa trajetória entrelaça caminhos singulares. Viúva aos 26 anos, Amanda se dedicou à carreira no Direito, onde também foi feliz, mas jamais abandonou os pincéis. Sua produção foi contínua e significativa, ainda que dividida entre diferentes ofícios. Hoje, com quase 70 anos, ela celebra uma nova fase: a de viver para a arte.
A pandemia de Covid-19 marcou esse renascimento. Depois de um ano para se recuperar das sequelas da doença, Amanda encontrou no processo criativo a maneira mais autêntica de sublimar a dor. “Com muita fé e gratidão superei as sequelas da Covid transmutando esse período sombrio num convite à esperança e à ânsia de expressar as cores da vida com alegria e luminosidade, onde cada pincelada nos remete a um caminho onírico por onde a alma passeia entre contrastes e harmonias cromáticas”, explica.
As cores, para ela, são mais do que escolha estética: são vocação. “As cores são um fascínio na minha vida desde sempre”, confidencia. É essa explosão cromática que dá forma às telas expostas no MIS, onde a teoria das cores se apresenta de forma acessível e lúdica. “O público pode constatar que a perseverança e o propósito levam ao caminho sempre sonhado”, acrescenta.
Apesar de já ter participado de exposições no Brasil e no exterior — como em 1992, quando recebeu uma menção honrosa em uma mostra na Argentina em comemoração aos 500 anos do descobrimento das Américas —, esta é a sua primeira exposição individual. E isso faz toda a diferença: “Conto uma história através das telas que pertence a um contexto próprio, não se dilui com o trabalho de outros participantes”, diz.
O público, aliás, tem respondido de maneira emocionada. Mais de 500 pessoas já visitaram a mostra, e cada relato é um presente para Amanda. Ela lembra especialmente do encontro com um visitante: “Um senhor chamado João me chamou para explicar o que achou de uma tela. Ele me disse que estava comovido porque quando era militar havia participado de uma missão no Haiti. Aquela tela o transportou de volta a esse período da vida dele. Eu fiquei muito tocada”. Outra tela, intitulada “Chuva Rica”, também despertou forte emoção em visitantes que viram na obra a materialização da esperança. Professores da rede municipal, que participaram de atividades educativas ligadas à exposição, destacaram o impacto das cores e sua importância no desenvolvimento sensorial e criativo das crianças.
Esse viés educativo é, para Amanda, fundamental. “As crianças começam a ter contato com processos criativos capazes de despertar e desenvolver suas habilidades sensoriais. É um mundo novo para elas”, afirma. Ela tem acompanhado de perto essas visitas, conduzindo grupos escolares e compartilhando sua experiência como forma de inspirar futuras gerações.
Há, na exposição, uma mensagem que se insinua em cada tela: a capacidade do ser humano de transformar momentos sombrios em epifanias. “Esse conceito se materializa nas próprias obras. É um conceito abstrato que se torna palpável quando se observam as pinturas expostas”, explica.
De fé e gratidão, Amanda construiu o alicerce desse novo ciclo. “O que posso dizer com toda a certeza é que sem Deus não somos nada. Então sou muito grata pela vida que me tocou e pelo caminho de superação que Deus me proporcionou. Esse novo ciclo me oferece a oportunidade de compartilhar a minha arte e transmitir uma mensagem de esperança para todos”, afirma.
Aos quase 70 anos, Amanda olha para a frente. Sonha em participar de novas mostras e, sobretudo, em ensinar. “Com essa experiência acadêmica bastante consolidada, o que eu quero é transmitir o que eu sei para as gerações futuras. Não tem maior satisfação do que ensinar alguma habilidade que tu tenhas em especial. Isso é muito gratificante. Espero ser abençoada com essa graça”, diz.
A exposição de Amanda Monteiro segue aberta ao público até o dia 31 de outubro, no Museu da Imagem e do Som (MIS), das 7h30 às 17h30. A visitação é gratuita. O MIS fica na Av. Fernando Corrêa da Costa, 559, Centro, Campo Grande.