João Marcelo Bôscoli, filho da cantora, e o biógrafo Julio Maria compartilharam histórias com o público
O bate-papo literário “Elis: todos os segredos” foi um dos momentos mais marcantes do sábado (23) no Festival de Inverno de Bonito, reunindo um público numeroso no Lounge Literário, na Praça da Liberdade. Com uma proposta intimista, o evento contou com a presença de João Marcelo Bôscoli, filho de Elis Regina, e do jornalista e biógrafo Julio Maria, ambos com uma conexão profunda com a vida e obra de uma das maiores vozes da música brasileira. A mediação ficou a cargo do jornalista cultural Rodrigo Teixeira, que conduziu a conversa com sensibilidade e conhecimento.
Previsto para durar uma hora, o bate-papo durou quase duas, com muitas perguntas do público, evidenciando o interesse e a emoção que a figura de Elis Regina ainda desperta. João e Julio compartilharam histórias inéditas, análises críticas e lembranças emotivas que trouxeram Elis de volta ao palco da memória. Foi uma tarde de muitas trocas, provocações críticas e análises sobre a obra de uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos.
João Marcelo Bôscoli, que tinha apenas 11 anos quando perdeu a mãe, falou com emoção sobre sua infância ao lado de Elis e as memórias que guardou ao longo dos anos. Ele revelou que sua música preferida de Elis é “Só Tinha de Ser Com Você,” gravada com Tom Jobim em Los Angeles. “Eu tinha quatro anos e tenho muitas memórias afetivas dessa gravação,” contou.
O produtor musical também refletiu sobre a dor da perda e o impacto que isso teve em sua vida e na de seus irmãos. “Eu daria um ano da minha vida para que cada um deles tivesse mais memórias da nossa mãe”, disse, emocionando o público. Ele também compartilhou que escrever seu livro foi uma experiência “deliciosamente solitária,” na qual trabalhou inteiramente com suas memórias. “Não recorri a notícias ou documentos. Preferi confiar em minhas recordações sobre os fatos”, contou.
Julio Maria, autor da premiada biografia “Elis Regina: Nada Será Como Antes”, compartilhou sua visão sobre a trajetória de Elis e o impacto duradouro de sua obra na cultura brasileira. “Esse livro é a grande reportagem da minha vida”, afirmou, destacando sua escolha em abordar Elis sem romantizações, trazendo à tona temas polêmicos como o uso de drogas e comportamentos não éticos da cantora com algumas colegas.
Ele anunciou que, em breve, o livro lançado em 2015 ganhará uma nova edição pela Companhia das Letras. A nova versão foi motivada pela recente aparição de Elis em um comercial da Volkswagen cantando ao lado da filha Maria Rita por meio de uma imagem criada digitalmente, o que gerou discussões sobre o uso de inteligência artificial e a preservação da imagem de figuras públicas. Julio Maria revelou que essa edição incluirá um capítulo inédito, apresentando uma lista de músicas que Elis planejava gravar em 1982, antes de sua morte precoce. Essa relação, descoberta recentemente, evidencia o interesse constante da cantora na produção musical brasileira, tanto de novas quanto de antigas vozes.
Ele também mencionou que, se tivesse a oportunidade, perguntaria a Elis qual era o seu sonho, pois acredita que a cantora não realizou todos os seus desejos antes de partir e que ela sentia que ainda tinha muito o que fazer.
Apesar de Elis ter falecido na década de 1980, a cantora ainda é figura frequente da cultura pop brasileira. Durante o bate-papo, João Marcelo abordou o impacto de sua mãe na era do streaming, afirmando que hoje ela é uma das cantoras brasileiras mais ouvidas nas plataformas digitais, mais até do que quando estava viva. Essa popularidade reafirma o poder de sua obra e a conexão que continua a estabelecer com novas gerações.
Elis em MS
O debate também abordou a relação de Elis Regina com Mato Grosso do Sul, especialmente sua conexão com a família Espíndola, famosos músicos da região. O mediador Rodrigo Teixeira mencionou que havia indícios de que Elis poderia ter gravado Cunhataiporã, de Geraldo Espíndola, e lembrou que a cantora enviou flores na ocasião do lançamento de seu disco “Tetê e o Lírio Selvagem.”
Lenilde Ramos, escritora, musicista, cantora e ativista cultural sul-mato-grossense, que estava na plateia, compartilhou uma lembrança pessoal, contando como foi sua experiência ao acompanhar Elis Regina nos bastidores de um show em Campo Grande na década de 1970.
Segundo Lenilde, a decisão de Elis de se apresentar de jeans e camiseta branca surpreendeu o público, acostumado a ver estrelas com figurinos mais glamourosos e, inclusive, revoltou algumas pessoas que estavam na plateia, que se sentiram ultrajados com a escolha estética da cantora.
O bate-papo literário “Elis: todos os segredos” proporcionou uma viagem íntima pela vida e carreira de Elis Regina, marcada por revelações, reflexões e um profundo respeito por seu legado. Mesmo após 42 anos de sua morte, a Pimentinha continua a inspirar e a emocionar, provando que sua força artística permanece tão viva quanto suas canções.
O Festival de Inverno de Bonito continua com sua programação neste domingo (25), promovendo uma série de atividades culturais que visam fortalecer a conexão entre a arte e a comunidade local, garantindo o acesso democrático à cultura em diferentes espaços da cidade. Para conferir a programação completa, acesse aqui.
Evelise Couto, Festival de Inverno de Bonito
Fotos: Altair Santos