Campo Grande (MS) – Um espetáculo para criança nenhuma botar defeito. E elas não botaram. Participaram, o tempo todo emitindo comentários espontâneos, os olhinhos fixos no palco, nos movimentos e objetos. O espetáculo “Buraco”, encenado nesta tarde no Teatro Prosa do Sesc Horto durante a Semana Pra Dança trouxe a elas um universo novo, quase sem música, sem palavras, apenas com movimentos e sons emitidos pelos bailarinos.
“Buraco” foi concebido na Alemanha, quando Elisabete Finger, que assina a concepção e direção, acabava de terminar o mestrado na Universidade de Arte, em Berlim. Ela morou na Alemanha entre2010 e 2013, foi feita a estreia primeiro no Brasil, depois na Alemanha. É seu primeiro espetáculo para crianças. Na época da concepção do trabalho, ela estava grávida de sua filha, que hoje tem três anos. “Durante o processo de criação me sentia responsável, pois estava grávida. Acho que todo mundo é responsável por esse mundo. Minha maior tarefa era essa, criar para pessoas com a cabeça aberta, em fase de crescimento. Elas estão sedentas, curiosas, tudo pode ser, daí a importância de não fechar as imagens”.
O espetáculo abre espaço para uma aventura sensória e sensível. Um buraco é entendido como uma relação: entre dentro e fora do corpo, entre diferentes corpos, entre diferentes materiais. A gente trabalha no sentido de deixar a imagem um pouco aberta para que as crianças possam ler. A gente cria um universo de texturas, é uma aventura da matéria. Queremos trabalhar quais são os nossos buracos. Tem a Alice [no país das Maravilhas] que cai num buraco, tem o buraco negro, o túnel, que é uma passagem para outra dimensão. Coreograficamente, queremos ligar todos os buracos do corpo, criando e ligando. A passagem de um material coreográfico para outro se dá num buraco, pode ser um portal que cai em outro lugar, pode ser um buraco imaginário, dentro da lona, do cubo, do túnel”.
“Buraco” apresenta materiais simples e baratos, como um saco de plástico, um túnel de pano, um cobertor de cabelos, um cubo. O espetáculo trata o corpo e esses objetos como matéria. “Não é um corpo que manipula a matéria com as mãos, ele faz parte dela, é engolido pela matéria. Trabalhamos com a materialidade das coisas”, diz Elisabete.
Durante a apresentação, os bailarinos fazem caretas, barulhos com a boca, as mãos, ficam deitados um bom tempo com a única música do espetáculo, que fala sobre o céu, o paraíso, cospem no palco (esse momento foi uma sensação para o público infantil), depois, ao final, descem do palco e ficam entre o público, as crianças, fazendo movimentos e sons. “A cuspida faz parte de nós, é um líquido que sai de um dos nossos buracos. A fruição das crianças é pelo movimento e imagens. Esse é o espaço da dança, oferecer esse lugar para a criança e que ela vai ser capaz de entender. Eu posso ter um momento em que ninguém faz nada [como na hora da música]. Essa característica da criança, desse momento da vida em que ela não aprendeu todos os julgamentos com que nós vivemos, ela está livre para construir essas históricas fantásticas. É preciso valorizar esse lugar da criança. Elas podem muita coisa”.
E podem mesmo. Amanda Franco, de três anos, estudante do nível um da Escola do Sesc, gostou da peça. Amanda desde pequena já é artista e aparece em vídeos que sua mãe posta na internet. Ela diz que sentiu só um pouco de medo quando apagou a luz. “Eles estavam se mexendo e quando pararam fizeram surpresa”. Quando perguntei que surpresa era essa, ela disse que era uma coisa que estava na mão de um dos bailarinos, “uma rosa”.
Ela gostou do “menino” que estava no saco verde, que na verdade era um túnel de pano. “Aí uma menina escondeu na caixinha e eles conversaram dentro do saco”. No momento do encerramento da peça, quando os bailarinos ficaram ao lado da plateia, ela disse que um estava do lado da Josefa, a professora, outro da Luana e também da Lorena, e “estavam fazendo mágica”.
Sua professora, Josefa Feitoza Lima, disse que, como Amanda, os alunos ficaram curiosos, “tentando entender o que ia acontecer depois”. “Eles entenderam como mágica, como surpresas. Ficaram na expectativa para saber qual a próxima cena, a próxima ação dos artistas”. Para a professora da Educação Infantil do Sesc, é bom proporcionar esses momentos para as crianças. “Eles precisam ter contato com a arte, a cultura, nesse espaço que é o teatro, pois o público para arte ainda é pequeno e muitos não têm outra oportunidade para assistir a peças e espetáculos. Dentro da escola isso é muito bacana”.
“Buraco” vai ser apresentado em mais uma sessão nesta quinta-feira. Será às 20 horas no Teatro Prosa do Sesc Horto. A entrada é franca. Venham ao teatro participar dessa mágica aventura por meio da dança e tragam seus filhos, sobrinhos, netos, amigos. A experiência vai ser, no mínimo, muito interessante!
Texto: Karina Lima
Foto: Daniel Reino