Publicado em 25 jun 2025 • por Karina Medeiros de Lima •
O que o seu Sebastião, dona Reginalda, Epifânia, Bianca, Alfredo e Elenina têm em comum? Eles são festeiros do Banho de São João em Corumbá e por décadas, durante toda uma vida, manifestam sua fé e mantêm a tradição realizando a festa em suas casas e descendo com o andor ao Rio Paraguai no dia 23 de junho, todos os anos, para banhar o santo.
Seu Sebastião de Souza Brandão tem 81 anos mora em Ladário e é mestre de cururu e siriri. Ele participa do Banho de São João desde 2014, cantando e tocando viola de cocho para levantar o mastro na noite do dia 23 de junho. Ele explica que tem um regulamento para subir o mastro. “Tem que tirar o capitão do mastro. Um cara que serve, mesmo que não foi eleito, mas escolhe um para tirar o mastro, esse vai ser o capitão do mastro. Já que ele foi contra o mastro, ele vai ter que confeccionar ali, pôr as fitas, arrumar ele. Aí ele, e aí nisso aí já tem uma pessoa, sempre uma senhora pra fazer aquele quadro do santo, fazer aquele quadro do santo que vai na ponta do mastro, e uma outra pra fazer uma coroa pra encaixar bem na ponta do mastro. Então quando vai, o mastro tem que ficar na porta da igreja, ou a retirada um pouco, mas o padre vai lá, faz a reza, a missa do São João, faz uma oração lá, de lá ele vem”.
Ele canta uma parte da música para subir o mastro: “Na margem daquele rio existia uma multidão, foi ali que Jesus chegou na margem do rio Jordão; o João fazia batismo daquele povo pagão, mas ele mesmo não sabia porque ele também era pagão”.
O mestre cururueiro se sente honrado por fazer parte da festa. “Porque meu pai, meus tios, meus amigos do meu pai, mais velhos, tudo faziam isso. Eu era moleque. E quando meu pai faleceu, que ele estava no meu braço, ele falou, olha, não deixa isso aí acabar. Continua ele, tanto que ele me deu a viola, até o chapéu dele, está tudo ali no museu. Então, aí já, pra mim, é uma honra e é uma coisa que eu gosto de fazer. Eu gosto de fazer, faço com prazer”.
Epifânia da Silva Bastos, de 95 anos, é uma das festeiras de São João mais antigas em atividade. Ela morava na Bolívia quando criança, e desde essa época vinha com a família para a festa em Corumbá. “Faz mais de 50 anos, faz muito tempo”. Ela diz que este ano pode ser seu último São João. “Olha, eles não estão querendo que eu desça, mas eu vou descer, porque é o último ano, eu já estou entregando pra minha neta. Sei lá, se ano que vem eu estou viva, então eu vou, eu quero ir, eu quero levar”.
“Essa festa na vida me deu muita saúde até agora. Eu tenho dor, tem hora que eu tenho dor de cãibra, mas depois passa aí. E eu fazendo as coisas. Melhorei e eu não paro. Eu agradeço ao São João, que ele tá me dando força pra me fazer a festinha, aniversário dele. Eu peço muita saúde para minha família, para meus netos, que eu tenho muitos netos. Porque a festa é assim, né? A tradição é assim, um passa pro outro”.
Reginalda Mendes Vera tem 72 anos e participa do Banho de São João desde que tinha nove anos. É uma tradição de família que começou com sua bisavó. A festa na casa dela é animada, começa com a novena e no dia 23, de manhã, após a missa, a família serve o café da manhã e depois ficam pessoas para ajudar, para fazer sarravulho, descascar batata para a festa da noite. “Aí à noite é descida, primeiro sobe o mastro, aí depois a gente desce pra beira do rio. Na hora que vem da beira do rio, aí é comida, né, sarravulho, churrasco e o baile. A gente segue a tradição até hoje”.
Bianca Machado, 61 anos, participa do Banho de São João há 30 anos, mas realiza a festa em sua casa há 20. Ela conta que descer o andor no Rio Paraguai é uma herança de uma amiga querida, Heloisa Urt. “Uma pessoa muito importante na minha vida, mas uma pessoa muito importante para a cidade, inclusive para o São João. Coisas que no São João se segue até hoje, foram coisas que foram construídas na época da Helô. Helô foi uma pessoa muito importante dentro da cultura do desenvolvimento. Ela foi um divisor de águas no desenvolvimento cultural da cidade, herança da Helô, que começou no final dos anos 80. Aí ela passou pra mim, a gente segue a tradição. Aqui em casa a reza é oito e meia, aí a gente acende a fogueira, queima as fitas do ano passado de pedidos, aí tem comida, quadrilha, dança, festa, comemorar, aniversário santo, né? Aí 23h15 mais ou menos, a gente pega as lanterninhas, acende as lanternas, desce com santo, pra banhar o santo no Rio Paraguai”.
Para Bianca, é uma festa de renovação, de acreditar no novo São João. “Ele é o que anuncia a Boa Nova, a vinda de Jesus, que é o quê? É o compartilhamento, olhar para o próximo, a alegria de compartilhar, a alegria de viver em comunidade e acreditar nas diferenças, porque ela que nos faz crescer. Então, assim, é uma chance de a gente acreditar, de novo, que a gente pode ser melhor, que o mundo pode ser melhor, que o pantanal não vai queimar mais”.
Alfredo Ferraz é um jovem festeiro de 36 anos, mas já com muita história para contar. Ele venceu o concurso de andores por nove vezes e ficou em segundo lugar por duas vezes. Ele participa do Banho de São João desde que nasceu. “O meu pai deu continuidade a uma tradição que era do meu avô de fazer uma fogueira na noite de São João e depois do oferecimento do meu avô, o meu pai, junto com o meu tio, deram continuidade a essa tradição. Então desde que eu nasci, já nasci inserido nesse contexto de festa, de ir preparar a casa para a noite do dia 23, para o dia 24. Só que nós já não tínhamos tradição de banhar o santo. A tradição começa comigo quando eu ganho da minha tia. A imagem voltou, e a partir daí começou a minha mãe ornamentar, preparava e a gente realizava o banho aqui em casa numa caixa d’água. A primeira vez que nós descemos por Rio foi em 2003, tem mais de 20 anos. Aí que começamos a descer em produção e juntar a comunidade”.
“Essa festa pra mim é tudo, porque eu, a minha família, a comunidade, a gente vive essa devoção praticamente o ano todo. Porque aqui na minha casa fica preparado. Mas é o que fica o altar montado o ano inteiro, da imagem de São João. Então, não só nós, a nossa família, mas a comunidade, as pessoas chegam aqui pra pedir, pra agradecer, pra fazer suas promessas. Então, eu vivo, isso aí faz parte da minha vida, da minha rotina. Eu falo que São João é o membro aqui de casa. Porque aqui nós temos as coisas, a panela de São João, o fogão, as toalhas de São João. Então, eu falo que ele é mais um membro dentro da minha casa, dentro da minha família, dentro da minha mansão”.
Elenina Paula de Souza da Silva tem 42 anos, é umbandista e participa da festa desde que tinha 16 anos, graças a uma promessa que sua mãe fez. “Na minha religião umbandista Xangô, o senhor da justiça, eu tinha uma causa na justiça e ganhei aí eu falei se eu conseguisse vencer esta causa eu ia dar banho no São João por sete anos. Já se passaram vinte anos e eu continuo dando o banho no São João, renovando minha fé. Eu faço em minha casa a reza, a oração antes de descer e na volta a gente faz a festa. Tem a comida típica, este ano vai ser o cozido porque está fresquinho o tempo, tem a sobremesa, que é o arroz doce, vai ter licor e cerveja”.
“O meu andor eu não faço tradicionalmente, eu faço o que vem na minha mente. Este ano eu quis fazer de junino mesmo. Eu comprei o pano junino, as folhas coloridas, e o andor do meu filho de santo é tradicional, é vermelho e branco. O que me faz continuar é o amor a São João, à minha religião, São João é um menino pra nós, é aquela alegria, um sentimento de emoção que não tem explicação. Você tem que viver o São João, a emoção de ver o andor, de ver aquela alegria nas pessoas. Essa festa na minha vida simboliza uma renovação de fé, de amor e de carinho, porque quando a gente vai lá banhar o São João a gente dá o banho no santo, renova a sua fé, agradece por aquele ano que vai vencer e pede outra renovação de proteção, e para mim é uma coisa de fé mesmo ao santo”.
Texto: Karina Lima – Comunicação Setesc
Fotos: Samuel Rocha