Flib 2025 traz réplica da Casa de Carolina Maria de Jesus na Praça da Liberdade

  • Publicado em 18 set 2025 • por Karina Medeiros de Lima •

  • Durante a FLIB 2025 – Feira Literária de Bonito, está instalada na Praça da Liberdade uma réplica da Casa Carolina Maria de Jesus, que recria o ambiente em que a autora viveu com seus três filhos, em um cômodo de madeira simples, evocando a força de uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira. A instalação é resultado de um projeto financiado pela CAPES – PDPG Políticas Afirmativas, e pela UFGD-Proec, e oferece ao público a oportunidade de mergulhar na realidade e na potência criativa de Carolina.

    As criadoras do projeto, as professoras Ana Paula Arcângela Batarce, professora de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, do Campus de Aquidauana, e Cláudia Marques Roma, professora de Geografia da UFGD, Universidade Federal da Grande Dourados, explicam como surgiu a ideia. “Tanto eu quanto Ana Paula, a gente dá disciplinas na universidade sobre a questão ética racial, mulher negra, né? E a gente começou a se incomodar com a questão que a gente entrava na sala de aula e praticamente ninguém conhecia Carolina. Então foi daí que surge o projeto, que é o projeto de pesquisa, no qual a gente tem mestrados, doutorados, pesquisas em geral. E para trabalhar com a casa foi na questão da interdisciplinaridade, trabalhar a extensão com a questão da arte, porque a arte ela sensibiliza, então quando a gente chega com a casa, a pessoa entra no ambiente, vive assim, nessas paredes, o som, ele traz uma relação mais sensível para a obra da autora”.

    As professoras afirmam que trazer a réplica para a FLIB foi fantástico, justamente pelo fato de a Carolina Maria de Jesus ser uma das homenageadas da Feira. “Quando nós soubemos que a homenagem ia ser para a Carolina Maria de Jesus, nós falamos assim, não, a instalação da Carolina precisa estar lá. E aí nós entramos em contatos, né, e conseguimos trazer a casinha, a instalação. Carolina Maria nasce em Sacramento, Minas Gerais, em 1914, neta de ex-escravizados, a mãe era lavadeira, como toda mulher negra naquele período, e ela vive em Sacramento, Minas Gerais, antes de ir para São Paulo, que é onde ela escreve a obra Quarto de Despejo. Ela só frequentou a escola Allan Kardec por dois anos, teve que sair da escola, e nesse processo que ela sai, migração forçada, ela vai para São Paulo e mora em uma favela chamada Favela do Canindé. Nessa favela ela reproduz a sua vida, a casa, que ela está no papel, ela tem três filhos, e todo dia ela chegava em casa e ela escrevia, porque o sonho dela era ser escritora, só que na década de 50 ninguém dava importância como uma mulher negra, escritora, e aí nasce em Quarto de Despejo, que ela retrata a escrevivência dela. A vida da favela, das mulheres daquele momento, a política, a feira aí, tudo que é falado. Carolina era uma mulher além do tempo, então tudo o que tem escrito na obra dela no Quarto de Despejo, apesar de ser escrito na década de 60, a gente percebe que é uma realidade no nosso presente e ela retrata muito a questão racial, a discriminação racista, e ela só não ganhou público antes, ela só não se tornou uma grande escritora antes por conta da estrutura racista que tem no nosso país”.

    A coordenadora do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de Mato Grosso do Sul, Romilda Pizani, está em Bonito para a Feira Literária e visitou a réplica da Casa da Carolina Maria de Jesus. “Enquanto mulher preta e olhando para a importância da representatividade e a importância desse evento para com as crianças, é muito lindo ver essa visibilidade dada para Carolina Maria de Jesus. Nós estamos falando de uma mulher pobre que encontrou a sua opção, a sua esperança no papel, no lixo. Ela que era uma catadora de recicláveis, a partir disso ela consegue expressar, a escrever a sua percepção do mundo e a percepção da desigualdade. E quando a gente olha para tudo isso, para essa história sofrida, bonita, que traz a perspectiva do esperançar e traz isso para a gente. Onde as crianças possam também olhar para essa mulher e trazer junto essa esperança, desmistificar o que culturalmente é feito durante muitos anos. Nós estamos falando de uma mulher preta, nós estamos falando de uma mulher pobre, nós estamos falando de uma mulher que tem a sua percepção de mundo e que independente da classe social, todo ser humano tem que ser valorizado. E quando nós trazemos uma mulher a partir dessas características, desmistificando tudo isso que está imposto por essa cultura racista, nós estamos dizendo que sim é possível construirmos uma nova história a partir de várias perspectivas e olhares para o mundo”.

    Outra visitante da Feira Literária e da réplica da Casa de Carolina Maria de Jesus é Letícia Polidório, coordenadora da Central Única das Favelas do Mato Grosso do Sul. Para ela, esta homenagem é um momento de muita emoção, “de representatividade pra gente que faz trabalho dentro das favelas em Mato Grosso do Sul. A gente entender que era uma mulher, como diz o livro Diário de uma Favelada, era uma mulher que vivia dentro de um barraco com seus três filhos e tem uma riqueza pra ser contada, né? Deixar pra gente esse livro que é uma riqueza mesmo, pra gente poder disseminar isso pra outras mulheres, encorajar outras mulheres que vivem nessa mesma situação, em época diferente, mas que se repete. Muitas vezes as histórias se repetem, por mais que o tempo passe. Então, esse momento é um momento muito emocionante de representatividade para mim enquanto pessoa e enquanto coordenadora dessa instituição que trabalha com essas mulheres. Vê ali o quartinho da Carolina de Jesus ali exposto. Eu fui visitar, me emocionei bastante”.

    Sobre a FLIB

    A 9ª Feira Literária de Bonito acontece entre os dias 17 e 21 de setembro, na Praça da Liberdade, palco da programação oficial do evento que reúne escritores, editoras, estudantes e leitores em uma grande celebração da literatura em suas diversas formas.

    O evento é uma realização do Instituto Ìmòlé com apoio da Prefeitura Municipal de Bonito, do deputado federal Vander Loubet, do Ministério da Cultura e do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, além de instituições culturais e empresas parceiras como Sanesul, Energisa, Banco do Brasil e Empresa Gestora de Ativos – Emgea. O projeto foi contemplado pelo Plano Nacional Aldir Blanc – PNAB, por meio da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Desde a publicação do decreto lei estadual nº 6457 de 11 de agosto de 2025, o evento integra o Calendário Oficial de Eventos do Estado de Mato Grosso do Sul.

    Texto e fotos:  Karina Lima

    Categorias :

    Feira Literária de Bonito

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