Campo Grande (MS) – A Cia de Dança do Centro Cultural Carioca encerrou a programação da Semana Pra Dança 2015 na noite deste domingo (24), no teatro Aracy Balabanian, com o espetáculo “Bota Abaixo”, que faz uma crônica, em ritmo de samba, da cidade do Rio de Janeiro no início do século passado. A criação, direção e coreografia são de Isnard Manso.
O último dia de apresentações começou do lado de fora do teatro, com a exibição do vídeo brasileiro “Milonguita de Dos”, de Carlos Lascano e Julieta Zarza, de Brasília (DF). Acompanharam a exibição o secretário de Cultura, Turismo, Empreendedorismo e Inovação (Sectei), Athayde Nery, e a secretária adjunta da Sectei, Andréa Freire. A exibição de trabalhos de videodança antes das apresentações faz parte do Festival Cuerpo Digital – Mostra “Miradas Corporales”, com curadoria de Sofía Orihuela, da Bolívia.
Ao entrar no teatro, o público encontrou as bailarinas Cátia Cabral, Dandara Ventapane e Viviane Gomes dando-lhe as boas vindas na entrada e no corredor. Enquanto isso, no palco, era representado um bar, em que interagia um soldado e um malandro. Outros bailarinos interagiam no meio da plateia, tudo sem música.
Começa o espetáculo, com muita música, jogo de cena com situações engraçadas que fazem a plateia rir bastante. O espetáculo possui uma linguagem híbrida, com uma mistura de técnicas como dublagem, sapateado, dança clássica, contemporânea, urbana, capoeira, acrobacia. Tudo isso com o objetivo de contar a história da reforma urbanística do Rio de Janeiro no início dos anos 1900.
“Tem-se de um lado, um centro cosmopolita, saneado, com avenidas largas e uma noite cintilante; de outro, a repressão violenta às manifestações das classes pobres, revoltadas com a derrubada de seus cortiços, episódio que ficou conhecido como Bota Abaixo. Desse conflito surge a figura do malandro, que abraça a marginalidade e reinventa a modernidade imposta aos miseráveis, transformando-se numa espécie de herói e mártir dessa resistência”, como consta na sinopse do espetáculo e no texto que foi lido para a plateia ao início da apresentação.
As pessoas presentes puderam entrar neste universo carioca com muita música, dança, encenações, barulhos acompanhando o movimento dos bailarinos, que circulavam também no meio do público. Durante o espetáculo foi exibido um vídeo com depoimentos de pessoas que se lembravam dessa figura do malandro, figura romântica, boêmia, que usava diversos meios para se manter, circulando nos bares e bordéis da época.
Os bailarinos da Companhia, Cátia Cabral, Dandara Ventapani, Thiago Jully, Isnard Manso, Jefferson Bilisco, Kadu Vieira, Paulo Mazzoni e Viviane Gomes colocaram-se à disposição para responder perguntas dos presentes, ao final da apresentação. O secretário da Sectei, Athayde Nery, agradeceu ao grupo por encerrar com chave de ouro a Semana Pra Dança. “Foi uma semana repleta de debates, sobre marcos regulatórios e instituição de recursos para o setor. Cultura é formação de cidadania. A Semana proporcionou integração para melhorar a cultura”.
O diretor do grupo, Isnard Manso, responde uma pergunta de uma pessoa da plateia, que questiona o motivo da escolha do tema pra o espetáculo. “A gente vive no Rio de Janeiro hoje um momento muito feliz. De uns 15 anos para cá nossa cultura está sendo valorizada. Daí começamos a olhar para trás, para nossa história, numa época em que o prefeito Pereira Passos realizou uma europeização do Rio. Houve perseguição às manifestações populares, como candomblé, capoeira e samba. Também nos inspiramos na cantora Josephine Baker, que visitava muito o Rio de Janeiro naquela época. A gente gosta das coisas sobre o Rio”.
A bailarina Dandara explica que a oferenda simbolizando o Candomblé que foi realizada no palco é simbólica. “A gente ofereceu uma licença anterior ao espetáculo, antes de o espetáculo ser montado. É claro que temos um certo cuidado, não jogamos fora assim, mas é simbólica”.
A crítica de arte Sandra Meyer, professora do Curso de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), convidada pela Fundação de Cultura para participar dos debates, perguntou sobre o que é pensar o malandro hoje, com as diferenças no contexto social do Rio de Janeiro. O grupo responde que a malandragem foi um processo drástico de verdade, com pequenas gangues distribuídas pelo centro do Rio de Janeiro, depois do Bota Abaixo dos cortiços. “É um personagem que consegue transitar pelos dois lados sem ser pego, ele está à margem entre o que é certo e o que é errado. Ele chegavam bem em todos os lugares. Essa capacidade de se moldar às situações é uma característica muito forte do povo do Rio de Janeiro e do Brasil em geral”.
Alguém pergunta sobre a experiência em gênero de dança dos bailarinos do grupo. Viviane diz que estudou dança de salão, contemporânea e balé. Kátia fez jazz e balé, e depois se encantou com a dança de salão e acrobacia. “Em cada época da vida a gente coloca mais um tijolinho em cima do que a gente construiu. Um vai somando ao outro. A experiência vai se somando a cada dia e isso vai dando uma cara ao grupo”.
Kadu fez dança de salão, balé, jazz, acrobacia e capoeira. Paulo fez dança de salão, depois samba. “O samba foi o que me levou a continuar dançando. Entrei no teatro, na escola de circo, dança contemporânea. O espírito do Rio tem a ver com essa diversidade. Sinto essa célula que vai trazendo coisas, agregando”.
Isnard fez dança de salão. “Belisquei de tudo um pouco. Atualmente estou fazendo faculdade de dança na Angel Vianna”. Dandara fez balé, street, danças modernas, africanas, contemporânea, dança de salão. “Daí me mandaram pro CCC [Centro Cultural Carioca], fiz aulas, comecei a fazer faculdade de dança na Universidade Federal do Rio de Janeiro, estou quase me formando. Já fui passista, primeira porta-bandeira da Vila Isabel”.
Thiago diz que sua primeira experiência foi com danças de rua, depois dança de salão. “Tentei somar a dança de salão brasileira com a dança de salão norte-americana”. Isnard completa dizendo que todos colaboraram na formação do espetáculo. “São intérpretes criativos”.
Um dos espectadores pergunta sobre a linguagem híbrida do espetáculo, se o grupo já recebeu alguma crítica com relação a isso. Quem responde é Isnard: “Nós não somos dança de salão. Fazemos cena. Como artista tenho que me valer de várias possibilidades para entreter o público. Já fizemos um espetáculo, ‘Quem somos nós’, em que fazíamos um questionamento sobre que tipo de arte a gente faz. O que nos interessa é criar a cena, fazer arte e entreter as pessoas”.
O produtor cultural Francisco Araújo agradeceu ao grupo. “Encerrar a Semana com um grupo que tem uma história de formação bem diversa é uma honra. Vocês têm tamanha desenvoltura no palco. Muito obrigado”.
O diretor da Cia de Dança do Centro Cultural Carioca, Isnard Manso, encerrou a noite agradecendo ao secretário de Cultura e à toda a equipe. “A educação, a arte e a cultura possibilitam ao ser humano uma existência mais digna. Estamos à disposição de todos, se desejarem entrar em contato; se forem ao Rio, nos visitem”.
Quem desejar saber mais sobre o grupo, basta acessar o site: http://www.centroculturalcarioca.com.br/ciadedanca.php
Fotos: Daniel Reino