Campo Grande (MS) – Filme gravado na Checoslováquia em 1966, “As Pequenas Margaridas”, dirigido por Vera Chytilová, é atração do Cine Café desta segunda-feira, 10 de junho. O projeto é realizado no Museu da Imagem e do Som da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e começa às 19 horas. E a entrada, como sempre, é franca.
Utilizando-se de avançados efeitos especiais para a época, Vera Chytilová dirigiu esta obra surrealista que conta a história de duas garotas chamadas Marie, que decidem se adequar ao mundo como ele está: sendo depravadas. Portanto, ambas partem para uma série de encontros forjados e travessuras, desconstruindo o mundo ao seu redor.
O longa tem a duração de 74 minutos e possui classificação livre. É um marco do “cinema novo” tcheco(slovaco). Foi filmado num contexto de disputas políticas, no qual a Checoslováquia se encontrava em uma nova perspectiva econômica, política, social e cultural, principalmente pelo fim da Segunda Guerra Mundial e a expansão da União Soviética para os países da Europa Oriental.
Vários fatores realmente chamam atenção para o filme, e não somente sua estética, em conjunto com sua fotografia e montagem criativa. O filme explora, de forma sutil, o contexto histórico de sua produção: foi feito quando a Checoslováquia ainda estava sob tutela da União Soviética. A União Soviética havia, com o partido comunista nacional, dado um golpe na Checoslováquia em 1948, no evento que ficou conhecido como “Golpe de Praga”. O país perde grande parte de seus direitos de liberdade econômica (que mais interessava à União Soviética) e de imprensa, e é justamente isso e a sociedade sob o poder comunista que é abordado no filme, principalmente em suas tão amplas alegorias.
O enredo, se interpretado de forma narrativa, é bem simples e se resume à história das duas irmãs: Maria I e Maria II. O filme começa com ambas sentadas, e uma mexe no nariz (remetendo a uma forma de normalização e padrão de comportamento behaviourista) e a outra toca um trompete (remetendoà censura), reclamando sobre não poderem fazer aquilo que gostam, e por isso decidem ser, como elas mesmo intitulam, “devassas”.
Daí, as duas começam suas aventuras, que se consistem basicamente em romper com estereótipos de comportamento, em que se nota uma possível influência da teoria de Michel Foucault a cerca da normalização. Elas costumam sair com vários homens, e costumam não gostar de nenhum deles, ignorá-los e os levar sempre no final à estação de trem (que parece ser uma alegoria para uma passagem para o Ocidente capitalista), enfatizando uma visão reversa acerca dos estereótipos machistas do cinema.
Suas aventuras e brincadeiras costumam transitar entre uma dinâmica de peripécias e morbidez. O roteiro é alegórico e segue bastante a proposta de “barato audiovisual” das novas ondas do cinema, afinal faz parte da Czech New Wave, sendo o que de fato importa, a noção de liberdade das meninas, apresentada principalmente pela mimésis. Seus atos de “transgressão” são mais uma metáfora do real do que de fato uma obra narrativa, com algum tipo de moral.
No período da produção do filme (1966) a União Soviética havia passado por um relaxamento das formas de arte, principalmente em detrimento da morte de Stalin em 1953, cargo que foi logo em seguida ocupado por Kruschev. Kruschev representava uma linha diferente do partido bolchevique (ligado à energia), e já no início de seu governo (1956 em diante), o ministério de cinema passa ser uma secretaria dentro do Ministério da Cultura Soviético. Mudam-se as leis para filmes do país e cria-se o sindicato dos cineastas.
“As Pequenas Margaridas” representa a crítica a própria crítica. Não existe uma forma mais certa (ou normalizada) para ser humano, onde a arte pode ser vivida tanto em seu sentido kantiano (pela elevação espírito), quanto pelo princípio humano (empirista), sendo o filme justamente uma mistura dos dois: estética e mensagem.
Serviço: A exibição de “As Pequenas Margaridas” acontece na segunda-feira (10 de junho), às 19 horas, com entrada franca. O projeto Cine Café sempre oferece um cafezinho, chá e leite com chocolate e bolachinhas para os cinéfilos que visitam o museu. Para degustar estas delícias, basta trazer sua canequinha. O MIS fica no Memorial da Cultura e da Cidadania, na avenida Fernando Correa da Costa, 559 Centro, no terceiro andar. Telefone: (67) 3316-9178.
Texto: Karina Lima – FCMS, com a crítica do filme feita pelo jornalista Matheus Bastos
Fotos: Divulgação (cenas do filme)