Publicado em 21 ago 2025 • por Daniel •
Dona Ramona e sua filha Fernanda Reverdito conduziram vivência que uniu prática e memória
Na tarde desta quinta-feira (21), o som grave e simbólico do berrante tomou conta da Casa da Memória Raída, em Bonito, durante a oficina Vivência Berranteira: Mulheres no Berrante. A atividade, que integrou a programação do Festival de Inverno de Bonito 2025, reuniu cerca de 15 pessoas, em sua maioria mulheres, em uma imersão na história, nos significados e na prática de um dos maiores símbolos da cultura pantaneira. Conduzido por Dona Ramona Vieira de Souza e sua filha, Fernanda Reverdito, o encontro mostrou como o toque do berrante atravessa gerações, e como as mulheres também fazem parte dessa tradição.
Dona Ramona carrega quatro décadas de vivência no Pantanal e uma trajetória que surpreende pelo pioneirismo. Ao lado do marido e de dezenas de peões ao longo dos anos, atuava como ponteira, a pessoa que segue à frente das comitivas de gado, papel de grande responsabilidade. “Aprendi a tocar berrante ainda jovem porque queria fazer parte e conduzir o gado com mais facilidade. O berrante ajuda o gado a não se espessar, conduz melhor. O animal conhece o som do nosso berrante e se acalma com ele. E assim fui levando a vida, entregando o gado de fazenda em fazenda, até continuar tocando em eventos, hotéis, aqui na Casa da Memória”, contou.
Entre lembranças, ela destacou também as dificuldades da época: “Na minha época era muito difícil, não tinha TV, telefone, nenhuma tecnologia. Hoje não tem peão que não durma com ar condicionado. A tecnologia ajudou muito, mas a tradição do berrante continua viva”.
Quem também esteve no encontro foi Sebastião Brandão, conhecido mestre curureiro de Ladário. Da plateia, ele também compartilhou sua vivência com os outros participantes e com dona Ramona. Um encontro que foi um verdadeiro presente às pessoas que vivenciaram a oficina.
Linguagem – Mais que um instrumento, o berrante é um meio de comunicação nas comitivas. Cada toque carrega uma mensagem própria: anunciar a saída, abrir as porteiras, chamar para as refeições, conduzir o gado ou se comunicar com outras comitivas.
Na oficina, além de aprender um pouco desse “idioma”, os participantes descobriram como o instrumento é feito e como deve ser preservado. Produzido a partir de osso, o berrante precisa ser “temperado” com álcool, banha de frango ou pinga, substâncias que hidratam o material e evitam rachaduras.
Para Fernanda Reverdito, gestora da Casa da Memória, a atividade é também um exercício de resistência cultural: “Para tocar berrante, é preciso ter persistência. É uma prática que exige fôlego, disciplina e dedicação, mas que carrega consigo a memória cultural do Pantanal e da Serra da Bodoquena.”
Mulheres e memória – A oficina também foi espaço de reflexão sobre a presença das mulheres nas tradições pantaneiras. A pesquisadora do IPHAN e cientista social Alana Margarida destacou a importância do encontro: “É uma prática muito associada ao universo masculino, e ver Dona Ramona nesse papel é inspirador. Ela foi uma pioneira, uma vanguarda. Esse protagonismo feminino amplia o olhar sobre a cultura pantaneira e mostra que é fundamental registrar e valorizar essas vozes.”
Ao integrar a programação do Festival de Inverno de Bonito 2025, a Casa da Memória Raída reforçou seu papel como guardiã da história regional. Oficinas como a Vivência Berranteira: Mulheres no Berrante mantêm vivas as memórias, práticas e experiências que seguem ecoando no som forte e simbólico do berrante pantaneiro.
FIB 2025 – Até domingo (24), Bonito será palco de apresentações de música, dança, teatro, literatura, moda, artes visuais e gastronomia. Os quatro palcos principais: Sol, Águas, Futuro e Lua, receberão artistas regionais e nacionais. O festival reafirma ainda valores de acessibilidade e sustentabilidade, com tradução em Libras, gerenciamento de resíduos, plantio de mudas e ações de educação ambiental.
Para mais informações e a programação completa, acesse: https://mscultural.ms.gov.br/festival/festival-de-inverno-de-bonito/
Texto: Evelise Couto – Asscom/FIB
Fotos: Marithê do Céu – Asscom/FIB