Campo Grande (MS) – A Mostra de Cinema Desejo foi aberta na noite desta terça-feira, 17 de setembro, no Museu da Imagem e do Som da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, em homenagem aos 70 anos do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. O filme escolhido para a abertura foi “Maus Hábitos”, de 1983, primeira fase do diretor.
“No filme ‘Maus Hábitos’, o objetivo é provocar o espectador, escandalizar, comunicar com o espectador de maneira muito direta. É um filme cheio de arestas, de imperfeições, é a cara de um primeiro filme de um cineasta. A gente consegue visualizar como ele amadureceu ao longo dos anos”, afirma o professor do Curso de Audiovisual da UFMS, Julio Bezerra.
Imagem do filme “Maus Hábitos”
Os filmes foram selecionados por Julio e pelo curador João Costa, jornalista e produtor cultural que atua no Studio Tranze. “A Mostra é um convite para o público conhecer o estilo de Almodóvar e o universo de temas e personagens que fazem ele ser quem ele é. Ele possui um jeito peculiar de filmar, em seus filmes mistura o drama e o cômico, situações caricatas, as cores gritantes em termos de direção de arte, expressando afetos, momentos, e personagens degenerados de maneira geral, famílias alternativas. As normas sociais para ele não fazem sentido, a vida é muito fluida. Seus filmes se assemelham muito às novelas hispânicas, com suas situações exageradas, atuações desproporcionais, tem o teatro como norteador das cenas. Os personagens são instrumentos para transmitir a realidade emotiva do filme, imprime afeto, emoção. Apresentar um pouco desse universo, o que são essas relações de gênero e a diversidade sexual é o objetivo da Mostra”, explica João.
Julio Bezerra, um dos curadores e debatedores, completa que a ideia é mostrar as fases do Almodóvar, desde o início até “o Almodóvar que a gente conhece”. “A contribuição dele para o cinema ainda está sendo assimilada. Ele fez parte do movimento cultural ‘Movida Madrilenha’ na Espanha na virada cultural pós-franquista. No início seus filmes traziam um humor escancarado, uma anarquia. A questão do desejo é recorrente, o homem é atravessado pelo desejo, que a vida em sociedade tenta recalcar. Um desejo que pode ser obsessivo, mórbido, mas é resistência, é alegria, é muito particular, que transgride comportamento. Seus personagens sempre têm que lidar com uma perda, desastre e depois sobrevivem a isso. Tudo isso somado a uma trilha, às cores, muito vermelho”.
Da esq. p/ dir.: Julio Bezerra, João Costa e Marcelo Bueno
O psicanalista Marcelo Bueno, um dos debatedores, acrescentou seu ponto de vista a respeito de como o cineasta espanhol aborda o desejo humano. “Nos filmes do Almodóvar se vê o desejo como na concepção psicanalítica, de Freud, com a religião e a culpa circulando o que é reprimido pela civilização. Neste filme, ‘Maus Hábitos’, o desejo está mostrado como o significado que Lacan toma de Hegel: o desejo está no outro e vou desalienar esse desejo do outro. O desejo fundamental é ser desejado e isso se torna um problema para o sujeito. Como no cristianismo, para se alcançar o sublime tem que se partir do abjeto, passar pelo abjeto. O tigre, neste longa-metragem, é uma metáfora do desejo, ele era pequeno e as personagens no convento não se deram conta de que ele cresceu ali. Há uma referência recorrente ao tigre nos filmes do Almodóvar”.
Fãs do cineasta Pedro Almodóvar, como o psicólogo e psicodramatista Romulo Said Monteiro, vieram prestigiar a mostra. “Vi o último filme do Almodóvar ‘Dor e Glória’ há dois meses, em São Paulo. É uma autobiografia, é muito sensível, trata o homossexualismo de uma forma muito leve, ele conta que desde criança ele já era muito sensível, cantava. Essa questão do homossexualismo surge quando aparece um amigo dele que se casou com uma mulher e teve um filho, depois apareceu em sua vida. Esse amigo procura por ele em Madri e há um beijo entre eles, uma cena muita bem feita, muito bonita. Ele tem uma relação muito forte com a mãe, isso é mostrado em flashbacks”.
Rômulo tenho uma coleção em box dos filmes do cineasta espanhol, e o que mais o agrada são as cores utilizadas e a intensidade emocional dos personagens. “Como psicólogo, essa imersão que os personagens têm nos seus sentimentos, emoções, me atrai. A intensidade das emoções é colocada de maneira clara. E o MIS é um dos poucos lugares em que a gente tem contato com uma intelectualidade e com a cultura. Isso é muito interessante. São visões novas sobre as coisas”.
Lucas Alcântara, advogado, ficou sabendo da Mostra por um site de notícias e o que o atraiu foi a exibição de filmes mais antigos do cineasta. “Já vi os filmes mais recentes, das últimas duas décadas, do Almodóvar. Vi que o filme de hoje é de uma época mais crua, mais inicial do diretor, isso me atraiu. Não sou fã de baixar filmes de maneira ilegal pela internet, por isso vim ao Musei. Essas exibições não acontecem o tempo todo em Campo Grande. É uma oportunidade cultural que o MIS propõe, o que me faz sair de casa e vir para cá, aproveitar mais a cidade e entrar em contato com outras pessoas, pois cada pessoa tem uma visão sobre o filme, o que pode ser observado nos debates após as exibições”.
Se você também é fã do Almodóvar, ainda dá para aproveitar a Mostra de filmes do cineasta. Nesta quarta-feira, 18, será exibido o longa “Fale com ela”, e na quinta (19), encerrando a programação, você confere “A Flor do meu Segredo”. A Mostra acontece sempre às 19 horas e a entrada é franca. O MIS fica no 3º andar do Memorial da Cultura e Cidadania, na Avenida Fernando Corrêa da Costa, 559. Telefone: (67) 3316-9178.
Fotos: Karina Lima – FCMS