Corumbá (MS) – Realizada na tarde de sábado (26.05) no Campus Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a roda de conversa sobre “Acessibilidade Cultural”, que reuniu professores, acadêmicos e comunidade para falar de um tema que nem sempre é aceito ou entendido pela sociedade de forma plena.
Na abertura do evento o secretário de Cultura e Cidadania, Athayde Nery, disse que o Festival vem moldado com o conceito de cidadania que é o segundo principio da Constituição. “A Constituição tem cinco princípios, e o segundo é a cidadania que é a mais completa forma de representação do ser humano. Cidadania é fundamental do ponto de vista social, cultural”, ressaltou Nery, que ainda frisou que todos os segmentos tem que ter a possibilidade de se manifestar do ponto de vista de suas necessidades. “Esse conceito de cidadania cultural enaltece três valores, o respeito, democracia e paz”, finalizou.
A professora universitária Rosana Puga de Moraes Martinez, disse ter sido pioneiro essa iniciativa da acessibilidade de um evento desse porte como o Festival. Martinez discorreu sobre como se deve ampliar o olhar e que pensar no conceito de acessibilidade é ter uma dimensão muito maior do que se vê por aí. A própria crise dos combustíveis é uma falta de acessibilidade, pontuou. “A gente vê muito a acessibilidade sendo falada somente no que tange a parte estrutural e arquitetônica. A acessibilidade tem muitas dimensões, como a programática, a atidudinal, que é a forma como a gente se relaciona com as pessoas”. E citou o artigo 5º da Constituição, em que todos são iguais perante a Lei.”A gente precisa ampliar o olhar e olhar para o coletivo, pois o que está bom para mim, pode não estar bom para o outro. A gente precisa desenvolver uma consciência coletiva em acessibilidade”, destacou.
Martinez continuou dizendo que é preciso que todas as pessoas possam acessar bens e serviços com autonomia e facilidade, “as pessoas precisam estar preparadas para que a acessibilidade aconteça”. Também falou sobre a Lei da Acessibilidade que normatiza procedimentos e padrões que devem ser cumpridos, mas que esta é pontual e que somente com ela não se terá eficácia. “Não adianta, o banco por exemplo, ter rampa, sanitário acessível, elevador, se a pessoa não consegue chegar lá. A acessibilidade é um conjunto de facilidades de forma pontual e não pode ser tratada como uma agenda emergencial”, e completou “a acessibilidade é para todos nós, porque algum dia a gente vai precisar dela”.
Já o professor José Aparecido da Costa, deficiente visual, técnico do Laboratório de Educação Especial e Acessibilidade da UEMS falou sobre as tecnologias assistivas e disse ser muito importante difundir essas perspectivas num evento como esse, pois se vai rompendo um ciclo da invisibilidade. Costa disse que para as pessoas em deficiência as tecnologias tornam as coisas mais fáceis, para as pessoas com deficiência, torna as coisas possíveis.
Costa explicou que a tecnologia assistiva é uma área do conhecimento de característica interdisciplinar que engloba, produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetiva promover a funcionalidade relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiências, incapacidades ou mobilidades reduzidas, visando sua autonomia, independência e qualidade de vida e inclusão social. Ainda comentou que erroneamente se atribui a tecnologia assistiva à computação, mas que em via de regra não é assim, todo o recurso ou artefato, estratégia, que puder facilitar a vida da pessoa é considerada uma tecnologia assistiva.
O professor também falou sobre o acesso à cultura a pessoas com deficiências e citou a Lei Brasileira de Inclusão de Deficiência ou o Estatuto do Deficiente que entre outras normativas determina o acesso aos bens culturais em formato acessível às pessoas com deficiência. “Falar de acessibilidade é falar de igualdade de oportunidades”, frisou Costa.
Alexandre Américo é pesquisador da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), bailarino e diretor da companhia Giradança de Natal (RN) e contou sobre a trajetória da companhia que realiza um trabalho de inclusão de artistas com deficiência. A companhia congrega pessoas com e sem deficiências. “A gente quase nunca discute sobre inclusão, é preciso acessibilidade, humanidade, protagonismo”, pontuou Alexandre. E ainda provocou, “é preciso um fazer artístico que evidencie a diferença” e completou, “exercitar a humanidade por meio da dança é o que a companhia procura fazer”.
Quem também deu seu depoimento foi Joselma Soares, deficiente visual, que iniciou sua trajetória no balé clássico quando perdeu a visão. Entrou na Companhia Giradança em 2005, quando deixou o balé clássico para fazer balé contemporâneo. Explanou sua dificuldade de transição de quando enxergava para um mundo sem visão, tendo a ciência de que este não era acessível. Porém encontrou na dança uma forma de superar barreiras. Ela disse se achar completa, já que faz performances como qualquer outra bailarina. “A acessibilidade é uma via de mão dupla, o mundo só sabe que eu preciso de acessibilidade se eu mostrar que eu tenho essa necessidade”. Ela ainda disse que não aceita muito a terminologia “inclusão”, já que ela já faz parte da sociedade. “As pessoas com deficiências têm as mesmas possibilidades e potências”, ressaltou.
A professora Ivone Ângela dos Santos e coordenadora do evento explicou que “acessibilidade cultural é a condição de acesso aos bens e produtos culturais com autonomia, apoiado por tecnologias assistivas”. Também destacou que o acesso à cultura é um direito universal e citou a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo 27 que diz, “toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios, e frisou, “todas as pessoas”, em que as pessoas com deficiências também estão incluídas. Santos também citou que no Brasil, conforme dados do IBGE de 2010, há 45,6 milhões de pessoas que declararam que tinham algum tipo de deficiência, sendo um total de 23,9% da população. Em Mato Grosso do sul, 21,5% da população tem deficiência. Ao falar sobre trazer para o FASP essa discussão pela primeira vez, é uma forma de sensibilizar para este tema que muitas vezes é carregado de preconceito por parte da sociedade.
Esta foi a primeira vez que o Festival América do Sul Pantanal disponibilizou a acessibilidade por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) em algumas atrações da programação.