Autores compartilharam os desafios de uma década de criação para dar vida a pioneiro esquecido do cinema
Neste sábado (29), o Pantanal Film Festival, integrado à programação do Campão Cultural, recebeu a palestra “Em Busca do Filme Perdido: um século de cinema na criação de uma obra em quadrinhos”, realizada no Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul (MIS-MS).
Os autores da graphic novel ‘O Filme Perdido’, Cesar Gananian e Chico França, compartilharam detalhes do complexo processo criativo que levou uma década para ser concluído. Gananian passou cinco anos escrevendo o roteiro, enquanto França dedicou outros cinco à ilustração da obra. A graphic novel combina cinema e quadrinhos, explorando o enigmático desaparecimento de Louis Le Prince, um dos pioneiros do cinema mundial, cuja história foi esquecida pelos livros de história.
Chico França, nascido em São Paulo em 1985, é ilustrador, artista gráfico, músico e jardineiro, com formação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Ao longo dos anos, produziu cartuns semanais sobre livros e leitura para o blog da Companhia das Letras, que foram reunidos no livro Livro, isto: cartuns (Editora Terceiro Nome, 2014). Além de seu trabalho com ilustração, também cria material gráfico para o cinema e, desde cinco anos, se dedica à agroecologia no interior de São Paulo. Cesar Gananian, nascido em 1982, também em São Paulo, é diretor, roteirista e montador, com filmes premiados em festivais brasileiros e internacionais. Em 2022, seu documentário Cantos de um Livro Sagrado, co-dirigido com Cassiana Der Haroutiounian, venceu o festival É Tudo Verdade na categoria de Melhor Documentário Curta-Metragem Brasileiro. Gananian estudou direção de atores no Lee Strasberg Institute, em Nova York, direção cinematográfica na Escuela de Cine y Television Septima Ars, em Madrid, e cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo.
Quadrinho – A graphic novel ‘O Filme Perdido’ retrata o desaparecimento misterioso de Louis Le Prince, inventor do cinematógrafo, ocorrido em 1890, enquanto viajava de trem entre Dijon e Paris. Seu corpo e bagagem nunca foram encontrados, tornando o caso um dos maiores mistérios da história do cinema. Inspirados por esse fato real, Gananian e França criaram uma narrativa que mescla ficção e realidade, explorando as angústias do inventor e o impacto de sua invenção. A obra é dividida em 21 capítulos, cada um homenageando cineastas ou movimentos cinematográficos ao longo de um século de produções, como o expressionismo alemão, o neorrealismo italiano e o cinema marginal brasileiro. A variação de traços, cores e técnicas, incluindo ilustrações a carvão, tinta a óleo e rascunhos a lápis, reflete a estética dos períodos abordados.
Daniel Rockenbach, diretor de programação da Pantanal Film Comission, ressaltou que a narrativa de ‘O Filme Perdido’ promove um diálogo amplo entre diferentes públicos. “O quadrinho é uma ferramenta poderosa, pois permite explorar estilos diversos que, em um filme convencional, poderiam resultar em caos visual e narrativo. A linguagem dos quadrinhos, no entanto, consegue integrar essas variações estéticas de forma coesa, mantendo uma narrativa contínua e envolvente, e uma estética diferenciada para cada capítulo. Isso proporciona uma experiência única e harmônica”, afirmou.
Debate – Mais do que apresentar ao público a obra, a palestra foi uma oportunidade de debater a história, as técnicas e as linguagens utilizadas. A professora Daniela Siqueira, do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), destacou como a obra reflete a interseção de diferentes formas de arte. “O cinema não é uma linguagem isolada, ele se alimenta de outras artes, como a fotografia, a literatura e a pintura. ‘O Filme Perdido’ exemplifica essa fusão de forma brilhante, unindo quadrinhos, animação e cinema em um único recorte. Essa abordagem reflete a evolução da narrativa visual, e é um convite a explorar as conexões entre as diversas linguagens que moldam nossa percepção cultural”, disse.
Régis Rasia, também professor de Audiovisual da UFMS, ressaltou a importância de discutir produções como essa em eventos amplos como o Campão Cultural. “A cultura precisa ser acessível e atravessar as diversas camadas da sociedade. Eventos como este permitem que novos públicos se conectem com o cinema e os quadrinhos, ampliando o alcance cultural. O formato inovador de ‘O Filme Perdido’ é um exemplo claro de como diferentes linguagens podem abrir portas para novas experiências”, afirmou.
Para Gananian, participar do evento foi uma oportunidade enriquecedora. “Para mim, é sempre uma experiência intensa e que me ajuda a entender melhor a própria obra. Mas aqui em Campo Grande, em especial, tivemos uma troca muito única. Muitas pessoas que estavam participando eram professores de cinema, artes visuais e design. Ao longo do debate, eles trouxeram dados, histórias e percepções de muitos elementos do livro que nem eu nem o Chico conhecíamos. Principalmente da relação dos quadrinhos com o cinema”, destacou o roteirista.
França complementou destacando a qualidade do debate. “Para mim foi uma experiência muito rica. Apesar de ‘O Filme Perdido’ ser uma obra multirreferencial, a história tem esse aspecto de envolvimento a partir dos últimos passos de nosso personagem. Então, a ideia é que ela possa ser adentrada por qualquer público minimamente curioso. Mas a verdade é que, chegando aqui, encontramos um debate supera profundado, apaixonado e de alto nível, com o qual aprendi muito. A receptividade ao livro e à palestra nos alegrou muito. Minha primeira impressão de Campo Grande, nesse curto tempo e a partir das trocas, é de que há um potencial muito grande de se criar uma cena cultural cada vez mais forte, especialmente nas produções cinematográficas. Nesse aspecto, o Campão Cultural é fundamental nessa construção”, afirmou o ilustrador.
O Campão Cultural acontece de 27 a 30 de março e de 3 a 6 de abril. Para mais informações sobre a programação, acesse o site ms.cultural ou siga a página @festivalcampaocultural no Instagram.
Texto: Evelise Couto
Foto: Marithê do Céu